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terça-feira, janeiro 20, 2009

Dão: o novo Douro

Ou, Douro: o novo Alentejo. Dos dois, preferi o primeiro. O título deste post, após longa paragem, teria que ser provocativo. Não que a segunda hipótese também não o fosse mas como vou escrever mais sobre o Dão do que sobre o Alentejo, pareceu-me a primeira mais ajustada.

Nos últimos tempos tenho notado um certo ressoar da ideia que os vinhos do Douro se têm tornado todos iguais. Muita fruta e boa madeira. Começa a haver, dentro do denominado círculo de apreciadores informados, um assumido cansaço do Douro. Se consigo entender este primeiro argumento, parece-me que este afastamento dos enófilos portugueses está associado à intrínseca condição de “ser” enófilo.

Um enófilo, por definição, é uma pessoa que gosta de Vinho. E gosta para além do acto de o beber. Isso seria um bêbado! Gosta de o estudar, de saber mais sobre tudo aquilo que o rodeia. Gosta de provar em diversidade. Gosta de procurar e conhecer coisas novas. Gosta de provar os vinhos mais raros. Gosta de discutir com os amigos. Gosta de marcar as modas, de ser o único que conhece determinado vinho, de ser o único que possui determinado vinho, de ser o único que gosta de determinado vinho. Enfim, de ser único. Tal como, por exemplo, ser cinéfilo ou melómano, está inerente ao facto de sermos apreciadores de algo a condição de sermos a minoria. Torna-nos especiais.

Com o sucesso do Douro, os enófilos que descobriram a região, nos vinhos de “mesa”, estão a ser engolidas pela maioria. Hoje, gostar dos vinhos do Douro é uma banalidade. É o equivalente, na música, a gostar do TOP Mais. É comprar o top Singles da Fnac na época de Natal. Tal como o sucesso comercial do Alentejo fez a maioria dos enófilos afastar-se dessa região, o sucesso do Douro é seu maior inimigo no coração dos apaixonados do vinho. O Douro perdeu as características da novidade, da diferença, da inacessibilidade e passou a estar conotado com a facilidade e a unanimidade de prova.

Numa sociedade que vive o tempo obcecada com a novidade, com a diferença e com individualidade, a procura da próxima moda, do mais estranho e do diferente, é o que nos comanda. Como diria o outro, é o nosso sonho. No caso dos enófilos, e da crítica de vinhos (também eles enófilos, como é evidente), a agulha do gira-discos começa a retornar ao Dão.

No ressoar da “normalidade” do Douro ecoa a maior “anormalidade” do Dão. Começa a ser cada vez mais comum ouvir a frase: “se queremos algo diferente temos que voltar ao Dão”. Tenho notado nas últimas edições da Revista do Vinhos, um subtil aumento dos vinhos do Dão com classificações de 18 valores. Começa a haver um número crescente de vinhos de topo do Dão para rivalizarem com os topo do Douro. Acresce a este facto, o decepcionante painel de prova dos melhores vinhos do Douro na RV. Quinta do Vale Meão e Redoma com 16,5 valores? Numa comunidade faminta de mudança, estes percalços são “pão para a boca”.

Para os mais atentos (ou desconfiados com a mania da perseguição, como me chamaram alguns), as classificações atribuídas nas revistas e guias da especialidade nem são o maior catalisador de vontades. A adjectivação e a utilização de determinados termos nas descrições de prova, reportagens ou artigos de opinião, são muito mais eficazes pois trabalham de forma silenciosa e em profundidade no subconsciente dos leitores. Cuidado! Não digo que seja propositado, mas os críticos são enófilos como nós. E como nós têm gostos, preconceitos, desejos, vontades, inimizades, paixões que se reflectem na forma como escrevem. Existe uma enorme diferença entre eu escrever “excelente região do Douro” e “extraordinária região que é o Dão”, por exemplo.

Não tenho nada contra o Dão. Tal como não tenho interesses especiais no Douro. É evidente que não sou imune a estes comportamentos, nem tão pouco sou o mais esperto ou perspicaz da comunidade enófila. Também eu sou movido pelos sentimentos em cima descritos. Também eu sou “contaminado” (e contamino, à minha escala) pelo que leio e oiço. Nesse sentido, confesso que ultimamente me tenho deixado encarrilar no sentido dos vinhos do Dão. Não rejeito que parte deste reajustar do norte se deva a uma melhoria dos vinhos da região. Parece-me evidente. No entanto, parece-me que essa melhoria se tem verificado através de um aumento da fruta evidente e da utilização de madeira nova. Ou seja, caminho também utilizado no Douro e que a médio prazo os vai tornar cada vez mais iguais. Onde é que está a tão propalada elegância dos vinhos do Dão? Só se for passados dez anos porque os vinhos que estão neste momento a sair para o mercado, e a receber os maiores elogios da crítica, só com boa vontade se podem qualificar de elegantes.

Porventura a maior diferença para a maioria dos enófilos, é que eu acredito fortemente que o nosso gosto é transitório, evolutivo, condicionado, influenciando e instável. Acredito por isso que daqui a uns anos, se continuar a escrever, efectuarei um post de título: Região X: o novo Dão.

12 comentário(s):

Pingas no Copo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pingas no Copo disse...

Voltarei ao tema, se tiver tempo, dado que tenho muitas afinidades (familiares) com a Região.

Mas em termos gerais, a subida do Dão nas classificações e na maior procura dos consumidores estão intimamente ligadas ao aumento da fruta e da madeira. É um facto!

João disse...

Rui,

concordo inteiramente contigo.

Ultimamente tenho dado por mim, e de forma inconsciente, a escolher beber vários vinhos do Dão em detrimento do Douro - Casa de Santar normal, reserva e Touriga Nacional, Carrocel e outros do Alvaro de Castro, Conde de Santar (este foi seguramente dos melhores vinhos que bebi este ano), Qta Carvalhais (o 2002 já estava fraquito), ...

Na minha opinião foi de facto uma região que evoluiu bastante nos últimos anos e que permite provas bem mais interessantes e não tão cansativas como os do Douro.

Perdeu parte (mas não toda) da "rudeza" que o caracterizava, tornou-se mais bebível, e na minha opinião, melhor.

Abraço

JP

João de Carvalho disse...

O Douro com os seus 250 anos de região demarcada é nos dias de hoje uma região onde ainda se aprende a fazer vinho, e acima de tudo a melhorar aquele vinho que já lá é feito.

Porque antes o Douro era visto como a fonte que enchia as garrafas de Vinho do Porto, hoje em dia é também fonte dos vinhos de mesa.

E se por um lado o método de elaboração foi melhorado no que toca ao Vinho do Porto, é bem recentemente que as novas técnicas e as novas modas tem vindo a aparecer no Douro, nos novos produtores, naqueles que estão neste momento a aprender a fazer vinhos.

De facto é inegável a extraordinária apetência que a região tem para vinhos de alto gabarito, mas parece que nos dias que correm, todos seguem as mesmas dicas, todos fazem os mesmos processos e no final parece que bebemos os mesmos vinhos.

O virar o leme para o Dão, vem com o facto de ser moda, e o consumidor precisa constantemente de seguir modas, e diga-se de passagem que o Dão é uma moda bem merecida.

AJS disse...

A moda pode efectivamente ser uma das razões da subida da procura do Dão, mas é também a subida da sua qualidade. Também eu penso que como aconteceu no Alentejo e no douro, fatalmente vai acontecer no Dão. Na realidade muitos vinhos do Alentejo são copias, assim como no Douro mais recentemente aconteceu. Também há as mesmas copias. Se reparaem já há algum tempo que quer nos blogues quer nos encontros de enofilos este tema está em discussão. Recordo-me de já ter feito referência à saudade de alguns vinhos que há duas três décadas tinham identidade própria e hoje são copias. Algumas boas, mas a identidade!!! Fiz este comentário se a memória não me falha no blogue do Pingus sobre o Vale Pradinhos.

João de Carvalho disse...

E um dos grandes problemas é que cada vez mais o consumidor procura as cópias e deixa os originais nas prateleiras.

A proliferação das castas deu no que deu, a Touriga impesta tudo onde entra quando não é moderadamente nem feito com pés e muita cabeça.
Foi arrancada muita vinha velha para se colocarem novas vinhas daquilo que anda por todo o lado, é como plantar ervas daninhas em vez de produto de alta qualidade.

Diz-se à viva voz que determinadas castas são uma porcaria, que não dá nada, que isto e aquilo... e toca a tirar e deitar fora que a Touriga é que vale a pena. A mesma Touriga Nacional que também esteve para desaparecer tal como o Porco Ibérico aka Preto.

Pode ser que daqui a uns anos alguém se lembre de dizer, ai aquela casta que ali temos ao fundo dá uns vinhos maravilhosos, pena que está em vias de extinção, e depois lá surge uma nova moda a invadir as vinhas de Portugal... e começa novo ciclo.

Falta estudo, falta conhecimento e falta essencialmente cabeça (que os poucos que a tem fazem dos seus vinhos um grande exemplo de identidade a nível Nacional).

Anónimo disse...

Douro: O novo alentejo? lol
Nem sequer comentando a frase em cima, queria deixar aqui a minha opinião discordante de práticamente tudo o que se escreveu. Em primeiro lugar a questão dos vinhos do Douro serem todos iguais. Nada mais falso. É verdade que existem vinhos, em boa quantidade, que são quase cópias fiéis uns dos outros, como se seguissem uma receita "ganhadora e universal", no entanto, continuo a afirmar que os vinhos do Douro não estão todos iguais, nós é que andamos sempre a beber os mesmos. Tomando como exmplo, pergunto-vos o que têm de igual os vinhos da Dona Berta, Sera D'Ordens, Carvalhosa, Pintas, Vale Dona Maria, Poeira, Niepoort, Passadouro, Crasto, isto para citar apenas alguns. Nada em comum. Todos diferentes mas com uma identidade comum, O Douro. Uns elegantes, outros rusticos, uns mais extraidos, uns mais acidulos, outros mais profundo, etc, etc. O Douro é enorme e com muitas diferenças por descobrir.
Quanto ao Dão, novamente permito-me a discordar. A região do Dão não está na moda, está a caminhar para o lugar merecido, lentamente é certo, como a região que encerra o maior potencial. Não é a fruta nem a madeira que trazem o Dão para a ribalta, mas sim a qualidade dos seus vinhos, o investimento e experimentação dos seus produtores. A fruta e a madeira existe em todos os vinhos, considerando um certo patamar, de norte a sul. O seu aumento, ou não, apenas traduz a percepção de perfis e de gostos. Os vinhos do Dão são vinhos elegantes, de uma forma geral, no entanto aliaram a elegância a uma certa potência, que até acho bem vinda pois assim somos presenteados com vinhos de robustez, que apresentam uma certa delicadeza (contrária à rusticidade). Daqui apenas retiro alguns garrafeiras que realmente são vinhos brutos ainda por lapidar.
Por isso, no meu entender, não penso que temos um Douro: Novo Alentejo, um Dão: Novo Douro. Se isso um dia acontecer, teremos perdido tudo aquilo que nos caracteriza melhor. A diversidade. Penso que em breve, aqueles produtores que de certo modo pensam que têm em seu poder "a formúla milagrosa" verão que o caminho a seguir para os vinhos Portugueses será outro e nessa altura teremos uma região, o alentejo, com um ai jesus, entre mãos. Não quero dizer com isto que o Alentejo só tenm vinhos iguais, não o tem, mas existem uns certos enólogos/consultores adeptos da "receita mágica", que mais tarde ou mais cedo serão confrontados com a maneira errada dos vinhos que fazem.

Pedro Sousa P.T. disse...

Caro amigo, entraste em força!!!
Não posso fazer grandes comentários, porque ainda me falta provar muita coisa, para ter uma opinião fundamentada sobre o assunto.
Mas uma coisa é certa, para beber qualidade, independentemente da região,seja ela do Douro ou do Dão, temos que gastar dinheiro, e não é pouco. O que me deixa preocupado, é que começo a olhar para os vinhos de Espanha, ou os do novo mundo, e vou encontrar vinhos com uma exelente relação qualidade/preço. Não vou encontrar a Touriga, ou a Tinta Cão, ou o Sousão etc. etc. Mas vou começar a piscar o olho a eles em detrimento do Douro ou do Dão. E isto deixa-me deveras preocupado.

Abraço

rui disse...

Caros,
Vou dividir o meu comentário em dois.

A Percepção do Caminho

Quero esclarecer que não está afirmado no post que eu considero os vinhos do Douro todos iguais.

Também não está afirmado que os vinhos do Alentejo são todos iguais (com certeza, um leitor adepto da região, facilmente lista uma dúzia de vinhos que considera diferentes).

Não fiz qualquer juízo sobre a qualidade dos vinhos do Douro.

Este post reflectiu sobre a percepção que eu tenho de um shift na preferência (ou foco de interesse) dos enófilos relativamente à Região do Dão em detrimento da Região do Douro. Ou seja, o hype do Douro está a esmorecer e na minha opinião a região que está a agarrar o testemunho é o Dão.

Reflicto sobre essa mudança e sobre a inevitabilidade da mesma. Concluo que é intrínseco à própria enofilia a constante mudança de interesses. Tal como na Economia mundial, é cíclica esta mudança.

Faltou-me apenas dizer que é cada vez mais curto o tempo em que uma região está a “dar”. Coisa da sociedade moderna!


O Juízo dos Caminhantes

Não fiz qualquer juízo de valor a todos, os muitos, que têm passado a olhar mais para o Dão. Pertenço a esse rol. Se eu gosto de experimentar/provar as novidades, o maior número de vinhos diferentes possíveis e os vinhos de que se fala, porque haveria de criticar quem também o faz? Não sou mais, nem menos, que os outros.

Aliás, este comportamento é normal e, repetindo-me, inerente ao facto de ser enófilo e não uma máquina de prova. Ora, se tenho uma carteira de fundo curto e um fígado de processamento limitado, é natural que só consiga provar um certo número de vinhos por ano. Se quero provar mais determinada região ou tipo de vinhos, começo a deixar certos vinhos e regiões para trás. É inevitável.

Um abraço,
RC

Unknown disse...

Grande ponto João. A subida vertiginosa que os vinhos do Douro tiveram nos últimos anos em termos de notoriedade, difícil de sustentar, começa agora a virar-se contra ele próprio. O Douro estava e ainda está na moda em todos os lados e sempre que se fala de vinho português. Mas o sentimento começa a mudar e vão aparecendo bons vinhos de outras regiões, e o Dão é uma delas, com boa relação qualidade preço. E a crise económica que vivemos pode acelerar este processo. Queremos vinhos mais baratos e o Douro não tem muito vinhos baratos com marca feita. Ou se calhar achamos que um vinho com um preço baixo do Douro não é bom vinho.

Por outro lado, não creio que haja grandes semelhanças entre os vinhos do Douro, até porque a diversidade varietal não o permite. Parece-me mais uma questão de ciclo de vida.

Anónimo disse...

Para mim, que nunca abandonei o Dão nem a Bairrada, e que conservo ainda algumas relíquias dos anos 80 e 90 destas regiões, elas foram deixadas de lado exactamente pela moda dos vinhos muito frutados e com muita madeira, fáceis e consensuais. Como aquelas duas regiões não seguiram o caminho ficaram esquecidas, senão veja-se o esforço que está a ser feito na Bairrada para recuperar também o lugar que lhe pertence. Dizia-se que a culpa era da Baga, então vá de usar tudo quanto é casta na "nova Bairrada", com a omnipresente Touriga Nacional à cabeça. O Dão está a recuperar a imagem e o lugar que deve ter por direito no panorama nacional, e a Bairrada também há-de lá chegar de novo. O problema é que, se calhar, quem nunca provou um grande reserva ou garrafeira do Dão ou da Bairrada com 20 anos, não sabe o que pode obter num vinho desses, e portanto não gosta dele se o beber, e se o beber em novo acha-o agressivo. Esse é que é o grande problema. Tal como a moda dos hiperalcoólicos e hiperfrutados parece que já começa a fartar, espero que a tendência dos muito novos acabe por passar e que mais ano menos ano possamos novamente poder beber vinhos realmente diferente, próprios de cada região.

Fernando Santos disse...

Sejam bem-vindos, fazem mal estar tanto tempo sem postar nada.

Na minha modesta opinião julgo que efectivamente a tendência para nos "colarmos" aos melhores, ao que se vende é inevitável. No fim resume-se à procura do lucro. E se os vinhos frutados cm madeira, vende, então pq havemos de fazer diferente. Tive a oportunidade de provar na Feira do Vinhos um Bairrada, Colinas de São Lourenço, Principal e parecia estava a provar um Conde de Ervideira ou o mais recente Dourum..

Do que tenho provado os que julgo que ainda mantém alguma identidade sao os da Terra do Sado, mas eu ainda só provo um ou dois vinhos por semana..

Abraço
Fernando

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