Quem segue junto à margem do rio Douro em direcção ao Pinhão facilmente repara que, poucos kms depois de partir da Régua, se encontra do lado esquerdo uma estrutura moderna que, embora mantenha uma fachada de pedra cinzenta, nos diz que há por aqui investimento. Restaurante-bar D.O.C. by www.arisdourocom, é o que se pode ler à passagem. E é importante o “by” porque foi através dele que descobrimos, via 118, o número de telefone do restaurante para efectuar a reserva.
O que nos chamou a atenção mal chegamos ao restaurante foi o ecrã onde é projectada a imagem da cozinha. Diferente! Mostra uma certa irreverência do responsável pelo espaço. É de elementar lógica quando mais tarde viemos a saber que o dono é também o chef Rui Paula.
Espaço amplo com uma fachada de vidro que proporciona excelente vista para o rio. Dá também passagem para uma esplanada e um passeio marítimo que é servido por um pequeno ancoradouro onde se alugam barcos para dar um passeio no rio. É a vertente: Arisdouro.
O restaurante pratica uma cozinha de autor sobre a batuta do chef Rui Paula e está aberto há pouco mais de dois/três meses. Excelente garrafeira. Especialmente nos “títulos” regionais. Acho que não falta nada (tintos e brancos). Dá apoio a esta, duas grandes caves refrigeradoras, uma para brancos e outra para tintos, e uma mais pequena para os Portos. Todos os vinhos da carta podem ser adquiridos com preço 25% mais baixo do que o marcado na lista. Fazendo as contas, diria que a maioria dos vinhos fica ao nível de uma garrafeira não muito “amiga”. Uma mais valia que já aqui foi aplaudida num outro caso: restaurante-garrafeira Veneza.
Escolhemos para entrada uma migas de alheira que confesso achei com muito sabor a pão e pouco a alheira. No entanto o Nuno adorou. Para prato principal escolhi umas bochecha de porco bísaro com migas de cogumelos. Delicioso. Todos os pratos são excelentes. Existe um senão: à custa de querer controlar os preços dos pratos, as quantidades (nomeadamente da carne) são muitos pequenas. Isto mesmo foi discutido com o chef quando veio à nossa mesa após o jantar. Ora eu até sou pessoa de pouco alimento ao jantar mas o Cristo tem hábitos diferentes e facto do cachaço de boi (cozido durante várias horas a baixas temperaturas) estar delicioso, segundo ele, ainda torna a ideia de pouca quantidade mais presente (quando a comida é má qualquer nico de tomate já é comida a mais). Este conceito tem que ser revisto: o chef não pode passar a vida a explicar no fim da refeição que tem que limitar as quantidades para não aumentar os preços já que não está em Lisboa para se permitir a fazer cozinha de autor cara. O cliente habitual de cozinha de autor não é costuma andar a contar trocos. É-lhe indiferente se o prato custa 14€ ou 17€. Os restantes clientes, especialmente por estar numa região em que as pessoas comem muito às refeições, se fizerem um esforço financeiro para ir ao novo restaurante da zona (o tal que até faz cozinha de autor), não precisam de sair dessa experiência com sensação que até pagaram caro (porque os 14€ por prato para esses será sempre caro) por dois nicos de carne. É o pior. Ou seja, não se agrada a gregos nem a troianos.
Para nosso galo, os dois primeiros vinhos que pedimos não estavam no frio. É verdade que nem todas as centenas de referências podem caber numa única cave. Este não é o único pois existem vários restaurantes que apesar de terem uma cave refrigeradora de apoio não conseguem ter todas as referências da carta no mesmo. Ora, pergunto-me se nesse caso faz sentido ter tantas referências? Não faria mais sentido apenas ter as referências possíveis para a capacidade de refrigeração que se tem (mais coisa menos coisa)? Para um cliente que peça um vinho que não exista na garrafeira climatizada é indiferente que o restaurante tenha tal equipamento ou não? O sentimento é o mesmo? Podia-se pensar que o sentimento era o mesmo mas se pensarmos bem o que acontece é que, sabendo que existem outros vinhos no frio, que não aquele que inicialmente queríamos, normalmente pedimos então um vinho que está “lá dentro”. Ou seja, começamos a comprometer a nossa vontade. Se formos a um restaurante que não tenha sequer uma cave refrigeradora para amostra, não chegamos a mudar de opinião porque estão todos em pé de igualdade. Porventura, bebe-se a pior temperatura mas bebe-se sem sentimento de perda. Faz algum sentido? Adiante, considerem este aparte como mera reflexão parva.
Gouvyas 2004
Frutos silvestres. Algumas notas verdes. Terroso. Boa acidez. Finaliza de forma austera com leve amargor. Um vinho um pouco em contra-ciclo no Douro e que resulta melhor com comida do que a solo.
Qt. Passadouro Vintage 2004
Não é dos vintages novos mais pretos que há no mercado. Logo ao rodar no copo prevê-se que o corpo não nos irá impressionar. Aroma com fruta doce. Algum anis. Na boca falta-lhe estrutura. Curto. Muito curto. Um vintage menor. Acompanhou um bolo borrachão que considerei algo seco mas admito que seja feitio, pois nunca tinha provado antes, e não defeito.
O fim do jantar deu lugar a uma prolongada conversa com o chef Rui Paula com subsequente visita à cozinha. Lá encontramos toda a parafernália de equipamento moderno (a máquina de cozer a temperatura baixa e controlada, a máquina de embalar a vácuo, etc) que fazem a “nova” cozinha de autor. Apesar de o chef afirmar que apenas pode ser bom cozinheiro quem souber fazer umas “favas com enchidos”, não posso deixar de pensar que se perde o mito de que a cozinha é uma coisa de tachos e panelas.
Já deve ser cansativo ler em todas as críticas de restaurantes que faço que fomos os últimos clientes a sair. Mais uma vez aconteceu. Saímos juntamente com os donos no fecho do restaurante. O dia seguinte iria ser importante pois estava prevista uma apresentação para vários jornalistas (nesse dia já lá tinham estado também a jantar, com familiares e amigos, os jornalistas David Lopes Ramos e Marco Moreia). Espero que tenha corrido bem. O D.O.C. é um restaurante que está a dar os primeiros passos e que se quer afirmar como um restaurante de cozinha de autor na região (o que realmente escasseia). Na nossa opinião os responsáveis pelo mesmo devem decidir se pretendem manter uma gestão perniciosa do preço através da quantidade ou assumir um restaurante que proporcione uma experiência gastronómica plena e sem restrições.
p.s.(1) O proprietário deste restaurante é também dono do restaurante Cepa Torta em Alijó.
p.s.(2) D.O.C., neste caso, significa: Degustar, Ousar e Comunicar.
p.s. (3) Obrigado ao João Roseira que passou por nós no fim do jantar e ainda nos ofereceu um late harvest da Grandjó.
p.s. (4) Este post está inserido num outro mais extenso em que se relata uma “Viagem ao Douro”. Porventura algumas referências neste post carecerão de contexto explicativo que encontrarão no outro.
12 comentário(s):
Desculpem lá mas isto dos preços dos restaurantes tem muito que se lhe diga. Então uma tasca que apresenta uma travessa bem cheia, ou seja bem mais que três
"pedacinhos" de carne, com vinho, sobremesa, e por vezes digestivo, e paga-se menos de 10€, deve ter em relação a muitos restaurantes da "alta" um prejuízo enorme, não? Ou a matéria prima inflaciona durante a sua confecção, ou não sei. Então nessa zona.
Não é que eu seja pela hotelaria de tasca, e sei que o serviço e as mordomias também se pagam, e um pouco de requinte faz muito bem ao ego, mas a descrepância é enorme, já não falando dos vinhos.
Portanto a industria hoteleira tem que pensar bem na sua política de preços, ou então vão continuar a fechar restaurantes por fata de movimento. Sim com a cada vez menos poder de compra dos Portuguses, alguma coisa tem que ficar para trás, e os supérfluos são os primeiroa a ir à vida. Se bem que para os endinheirados esse problema nunca se vai pôr, pois este é um país ao qual a difrença entre pobres e ricos se vai ecentuando.
Desculpem lá. mas estamos a falar de tascas ou de restaurantes? E de restaurantes gastronómicos ou daqueles onde vamos todos os dias comer uma bucha? A quantidade não conta no preço? Experimentem umas fatias de foie gras: 50 gr, 75, 100 gr. por prato e vejam a diferença no food cost. Usar uma carne especial, certificada que vem propositadamente para se fazer um prato especial é igual a usar a que está na promoção do dia do talho da esquina? Comprar uns carapaus para servir em travessa com molho à espanhola é igual a fazer uma preparação com filetes de peixe-galo? E os copos? É igual esses nectares que vocês tanto prezam serem servidos em copos Riedel ou Schott ou num copo de três? E é igual para vocês o tinto do Douro vir para a mesa à famosa «temperatura ambiente» ou a 17 graus controlados por um armário de refrigeração adquirido para isso mesmo?
Atenção que se pode comer bem, até muito bem, nos dois tipos de locais, bem como muito mal também nos dois. O que não se pode é comparar os preços e custos com essa simplicidade. Não se trata de pagar por mordomias (luxos) mas de pagar custos diferentes por bens e serviços diferentes.
Agora voltando às quantidades num restaurante gastronómico, eu vejo a coisa de maneira diferente. Porque é que eu, gostando mais de degustar diferentes propostas na mesma refeição do que empaturrar-me com comida, hei-de pagar mais por aquilo que não consigo comer? Porque é que para satisfazer os apetites dos que comem muito eu que como menos e quero comer melhor tenho que pagar as quantidades que satisfazem outros e não a mim?
Portanto, em resumo, faz todo o sentido reduzir as quantidades para controlar o preço final, desde que a qualidade da matéria prima o justifique. E cada um será livre de escolher o restaurante em função daquilo que pretende da refeição.
Caros,
A ideia por detrás do questão do preço é seguinte: eu quando vou a um restaurante deste tipo já sei que vou pagar bem. Até aí tudo bem. Felizmente posso faze-lo (não muitas vezes mas posso) . Se ficar satisfeito não choro o dinheiro. No comer e beber é onde gasto a maioria do meu dinheiro (se calhar para outras coisas sou mais forreta). Apenas questionei (e fi-lo no post porque o fiz presencialmente junto do responsável do restaurante) a ideia de querer controlar os preços diminuindo a quantidade quando se calhar tivesse colocado um bocadinho mais de carne e aumentado o preço em 3 euros para a maioria dos clientes “tipo deste restaurante” esse aumento de preço é insignificante. E para aqueles que fazem um esforço para ir ao tal restaurante da moda, esse esforço é igual seja mais ou menos 3 euros. Ou seja, para mim é uma má estratégia controlar os preços através da quantidade. Foi apenas isso que quis passar. Agora tb é verdade que o restaurante está numa zona em que não abundam os clientes “gourmet” dispostos a largar facilmente o precioso euro. Eu compreendo. O restaurante tem três meses, ainda não passou um Inverno e vai ter forçosamente que adaptar-se à realidade e descobrir (ou a bem ou mal) qual é a melhor estratégia. A comida é boa. Os vinhos são bons. O espaço é magnifico. Espero que tenha sucesso.
Um abraço,
RC
Estive no Cepa Torta faz 2 semanas e correu tudo bem, à excepção da temperatura dos vinhos e um prato trocado. A comida esteve primorosa!
N.
Caro Nuno,
a esse nunca fui. Não sei se o conceito de cozinha é o mesmo que no DOC.
Um abraço,
RC
O que eu queria sublinhar, é a discrepância de preços, ou seja a proporção em relaçao à diferença de preços entre uns, e outros. Não falei cá em empanturrar...
Abraço!
Caro Pedro,
eu compreendi-te. Tb não estou a falar de encher o prato de "cagulo". Neste caso particular, penso que se impunha mais um pouco.
De uma forma geral, não sei se os produtos utilizados em determinados restaurantes de topo são assim tão caros que obriguem a praticar preços tão elevados nos pratos. A verdade é que tb os responsáveis destes se queixam que a vida deles não anda fácil. Se é verdade ou mentira, tb não sei.Mas a mim, enquanto cliente não me interessa (posso ter maior ou menor empatia pela história de cada um). O que me interessa é sair plenamente satisfeito de um restaurante e não defraudado com algo. Mais uma vez, neste caso, penso que haverá clientes que se sentirão defraudados (e é pena porque o restaurante é bom).
Um abraço,
RC
Boa noite
eu cada vez mais fico triste com a falta de sensibilidade e conhecimentos do nosso publico alvo em relação ao facto de conseguirem distinguir o que é bom ,o que é mais ou menos bom e o que é realmente mau,cabe a nós proficionais de cozinha cada vez mais lutar para o bom esclarecimento dos verdadeiros començais ,para isso temos que ser mais esclarecedores no que diz respeito ás matérias primas e aos novos conceitos de cozinha,nós profissionais não temos culpa que cada vez mais os bons produtos "D.O.C."estejam cada vez mais caros e mais raros, factor que por vezes faz influenciar em muito o resultado do nosso trabalho.
Eu não podia deixar passar em claro tanta coisa dita em relação aos preços praticados pêlo meu caro colega de profissão propriétario do restaurante DOC, certamente ele terá plena consciencia do trabalho que está a pôr em prática e desde já lhe desejo as maiores felicidades e boa sorte, elogiando também a coragem de abrir um projeto tão arrujado como este.
Boa Rui vai em frente que a hotelaria em Portugal precisa de pessoas como tu.
Chefe de Cozinha Pedro Beltrão
tretas .... pagar couro e cabelo so porque esta na moda ? haja paciencia !!! façam publicidade a verdadeira cozinha transmontana sff !!!
Primeiro, os parabens para este blog, volto ca varias vezes para ver as vossas opiniões sobre alguns vinhos (uma vez que comungamos deste prazer que é o vinho)e ao ver estes comentários nao quis deixar de deixar o meu tb.
Eu sou daqueles que sou bom garfo e gosto dum belo vinho, nao me importo de gastar por vezes muito num restaurante, mas concordo com a politica desse restaurante, menos mas com qualidade para baixar os preços, e tenho o exemplo do degusto em matosinhos que fui á pouco tempo, excelente e por 18 euros (? os de lisboa percebem me)com entrada sobremesa , vinho a copo e tava tudo divinal.
Bem! Eu adoro comer e beber, diariamente como numa tasquinha limpa e barato, onde vai toda a gente desde o Dr. ao operario que ganha 450euros por mes. Quanto ao D.O.C. já lá fui, como outros do mesmo nivel. O meu comentario é positivo, gostei do atendimento, da comida, bebida e quantidade, comi uma entrada, prato principal, sobremesa e meia garrafa, não sou uma pessoa de comer pouco, como mais do que devo. Sinceramente o CH. Rui Paula é bom no que faz e tem a particularidade de usar produtos da região, sabores tradicionais, etc.
Quanto ao preço! Na minha opinião é justo, tudo tem o seu valor, a arte tem de ser paga. É o caso.
Por exemplo, esistem milhoes de quadros pintados uns valem X outros Y, milhoes deles são feitos com os mesmos produtos e quantidades, mas com valores diferentes, porque sera?
Bem! Bem! A gastronomia é mais complexa do que alguns criticos gastronómicos pensam, por vezes para mudar as criticas negativas,só tem de oferecer a refeição a essas mesmas pessoas, para que o sitio onde comeram já seja o melhor.
Parabens Chefe Rui Paula pelo serviço que o Senhor vende no seu establecimento.
Vejo uma argumentação relativamente a preço. Na minha ida ao D.O.C não me lembro quanto paguei, mas posso dizer que adorei o restaurante e aliás em breve, tenha eu oportunidade, irá para ao meu recente blog em evolução.
Cumprimentos
Mário
www.myfavouriterestaurants.wordpress.com
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