“O João é o maior!”
O João, para quem não sabe, é amigo, optimista, entusiasta, excessivo e altruísta. Gosta de viver a vida ao máximo. Gosta do melhor. E como todas as pessoas “grandes”, faz questão que todos aqueles de quem gosta apreciem também o melhor. Enorme.
O João comemorou o seu aniversário no restaurante Horta dos Brunos (do qual já aqui fiz a crítica). Familiares e amigos presentes. As entradas de qualidade sucederam-se até à chegada do sortido de carnes grelhadas. Houve também cherne grelhado para aqueles que não apreciam os prazeres da carne. Tudo fresco e de grande qualidade. Coube a um alentejano a tarefa de acompanhar o repasto:
Casa de Zagalos Reserva 2003
Muita fruta a marcar o aroma quente e a boca gulosa. Mais em força, termina um pouco bruto. Servir rigorosamente à temperatura correcta para não enjoar.
Ainda antes das sobremesas e após um pedido de casamento de joelhos em pleno restaurante, como manda a regra da mais romântica Hollywood, chega-nos à mesa uma das grandes surpresas da noite:
Barca Velha 1999
Cor não denota grande evolução. Pelo contrário, tem todo o aspecto de um vinho novo. Aroma algo fechado sobressaindo as violetas e frutos silvestres. A boca foi para mim uma desilusão. Sem evidenciar nada de especial, o fim apresenta-se ácido, taninoso e adstringente. Perguntei-me o porquê de tanto alarido? Quando se bebe um mito, e este não corresponde, o natural é a pessoa tentar encontrar uma desculpa para o fracasso. Tem duas hipóteses: ou culpa o vinho ou se culpa a ela. “Se calhar não servi correctamente? Se calhar não utilizei os copos certos? Se calhar precisava de mais tempo para abrir? Se calhar as meus sentidos não estava num dia bom? Se calhar...”. Eu não gostei e estou desapontado.
A noite continuou e com as excelentes sobremesas foi servido um vintage:
Qt. Vale Meão 2000
Este srº já o provei várias vezes. De todas, esta foi sem dúvida aquela onde o vinho se comportou pior. Cor ainda jovem, no aroma fechado já não se nota a “aquela” fruta. A grande diferença para as provas anteriores foi a boca. Apresenta umas notas verdes desagradáveis, muito longe das notas apetitosas a especiaria que apresentou da última vez (cerca de 9 meses). Não sei se já terá entrado no famoso período de adormecimento.
Após a sobremesa a festa estava animada com o restaurante tomado de assalto pelo grupo de convivas. Com a partida dos penúltimos clientes, a cantoria começou e não havia previsão para o fim da festa. Eu, cansado, aproveitei uma oportunidade para me despedir e fazer-me à estrada.
Hoje que estou a fazer este post, reparo na nota que dei ao Barca Velha 1999. Duas rolhas. Leio a definição que nós temos para esta avaliação: “Não gostei. Só volto a beber se não houver mais nada.” Entro em pânico. Para quem não sabe, eu era até há 5 segundos atrás o feliz proprietário de uma garrafa de Barca Velha 1999. Esmoreço. Agarro-me a todos aqueles “Se calhares” que referi em cima. Numa fracção de segundos relembro todas as discussões que nós já tivemos, aqui neste blog, sobre a prova e a subjectividade e validade da mesma. Renasço. Se as pessoas devem ter uma segunda oportunidade porque não os vinhos? Perguntam-me vocês: “Mas não devias dar essa mesma segunda oportunidade a todos os vinhos e não apenas aos Barcas Velhas e afins?” Claro que sim. Mas eu não sou perfeito. Quem é que é?
11 comentário(s):
Convém não dramatizar excessivamente. O «Sindroma Barca Velha» é já uma situação clássica que afectou muitos provadores. Conheço muita gente que já teve o mesmo com o Pera Manca e eu próprio já o experimentei na primeira vez que provei um Gran Cru Classé de Bordéus. Esta é a primeira hipótese. A segunda, deixe-me ser ironicamente snob (estamos a brincar, certo?) é que Barca Velha não é para toda a gente....
"Este post foi exagerado para efeitos de dramatização", pode-se ler nos créditos finais que passam em rodapé. :)
RC
p.s. tens toda a razão, o Barca Velha ao preço que está não é literalmente para toda a gente ...
Tenho pena de ter faltado à oportunidade de provar o que seria: "O meu primeiro barca velha!"
Tenho uma garrafa em casa guardada para uma ocasião mais especial, mas agora fico com medo de estragar o momento :)
Andámos muito esquisitinhos, não? Ou será que estamos a ser apanhados num mecanismo inconsciente, de distanciamento face à crítica que parece excessivamente alinhada?
Agora fiquei num dilema.
Por um lado fiquei com vontade de beber a minha barca para confrontar a minha opinião com a vossa. Por outro, a experiência é capaz de ser bem mais interessante daqui a um anito. Pelo menos deve subir para 3 rolhas, não? :)
Nuno
Caros,
Fico satisfeito de ser alvo de tão singelo post.
De facto, duma mistura de bons vinhos com bons amigos, só pode sair uma valente festa.
Antes de me prolongar na prova, deixem-me agradecer a todos os presentes que ajudaram a contribuir para uma noite memorável. A todos o meu muito obrigado.
Outro agradecimento ao Pedro Filipe, pela bela recepção que nos deu, pelo à-vontade que nos colocou e pela paciência que demonstrou ter para nos aturar.
Quanto aos vinhos, confesso que desta vez foi claramente mais em quantidade do que em qualidade (não menosprezando o Barca Velha, a quantidade é que foi de facto brutal !!!)
O primeiro vinho tem a particularidade da preocupação com o preço. Como é que se escolhe um vinho para vinte pessoas ? Julgo que tendo como referência os 20€ até não foi mal escolhido. Melhorou bastante quanto atingimos
O Barca-Velha. Após a quantidade de Casa de Zagalos, não há BV que aguente. Eu gostei, principalmente comparando com o 95. Mais consistente, mais frutado, enfim, com menos idade.
Sugiro aos meus colegas de blog que façamos uma prova Barca Velha 95 - 99, para de facto experimentarmos sem estarmos "afectados" com outros gostos.
Quanto ao resto do jantar, posso-vos dizer que após o Qta Vale Meão Vintage 2003 ainda fomos o Jonhie Walker Blue Label e à Aguardente Vinica Palácio da Breijoeira.
Enfim, nada que não se bebesse com satisfação.
Um abraço a todos
João "o maior" Pedro
"Sem estarmos afectados com outos gostos" é muito bom!!
João, está combinada essa prova. Apesar de eu não ser adepto das comparações directas entre vinhos principalmente quando em comparação estão vinhos que à partida serão muito diferentes. Diria que, bebemos um e depois bebemos o outro.
RC
Nuno,
Sabes que eu sou fervoroso adepto da qualidade (ou a percepção dela) em detrimento da quantidade. Se achasse que nesse jantar o meu palato já estava de tal forma alterado que não estava a fazer uma apreciação justa do vinho, eu era o primeiro a não efectuar a descrição de prova no blog.
Claro que de uma forma geral, se nós não estivermos “afectados” pelo gosto de um Pintas, Poeira, Vale Meão, etc, qualquer vinho da casa (normalmente de Pias – deve ser uma região de produção ilimitada) parece-nos uma grande pomada. Como diria um nosso amigo comum: “Estragaste-me para o vinho barato.” Eu pelos vistos, estou estragado para o Barca Velha. :)
RC
Longe de mim insinuar tal coisa...
Eu apenas achei piada à maneira do João colocar as coisas.
Até porque à medida que a quantidade aumenta, a percepção de qualidade tende a ser cada vez mais benevolente, o que manifestamente não foi o caso.
Por este andar, qualquer dia invertes o ciclo e ficas estragado para o vinho caro! Quando começares a dar nota 5 ao vinho da casa de Pias, eu vou começar a desconfiar...:)
Nuno
Nuno,
Dizes que tens uma garrafa de Barca Velha em casa guardada para uma ocasião mais especial. Deixa-me que te diga: o dia em que abrires a garrafa de Barca Velha "é" a ocasião especial.
Onde é que eu já ouvi isto? ;)
Mr. Brightside aka Tinto e Cheio
Barca Velha pode não ser para toda a gente, mas em termos de bolsa, não? Há muito bom apreciador de vinho com menos posses, mas não deixa de ser bom apreciador na mesma... ;)
O Barca Velha já é quase um mito. Não lhe tiro o valor, mas acho que há vinhos melhores. O mais recente Barca Velha esse sim tem todo o proveito que a fama lhe deu. Mas não vamos esquecer outros bons vinhos e produtores, não é?!
Barca Velha 1999 é dos melhores Barca Velha alguma vez feitos.
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