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segunda-feira, outubro 16, 2006

O Pimento da Discórdia

Começou por ser um comentário de resposta a um outro comentário efectuado no post anterior. Entretanto, o tamanho do texto já era de tal forma extenso que decidi efectuar um upgrade e torná-lo post por direito próprio.

Alguém me perguntou o que entendia por “vegetal”. Ao responder, referi, a título de exemplo, que uma das notas vegetais mais famosas é o pimento verde, geralmente, associado ao Cabernet Sauvignon (CS). Nunca afirmei, que o pimento verde era o único aroma vegetal, ou, que referir notas vegetais implica necessariamente que o vinho cheira a pimentos verdes.

Gerou-se, nos comentário posteriores, uma salutar discussão sobre a tipicidade desta associação aroma/casta (CS). Verdade ou falácia, eventuais causas, possíveis traduções erradas e utilizam abusiva do termo apenas em determinados países e por determinados críticos. Tudo isto foi “atirado para cima da mesa”. Fiz-me à pesquisa!

1. Carácter Varietal

Num dos comentários foi afirmado: “Os descritores aqui são: tânica, herbácea, especiarias (nalguns casos, e mais especificamente, pimenta verde), groselha.”. Assim que li isto, perguntei-me: “De onde foi retirada esta descrição? É oficial? Será que é uma verdade absoluta aceite por todos: Enólogos, Críticos e Consumidores?”. Não que eu tenha razões para desconfiar de quem escreveu esta afirmação, mas sou por natureza interrogativo. Pareceu-me que se pesquisasse, encontraria facilmente outros descritivos.

Muni-me do Google e pesquisei “Cabernet Sauvignon”. Encontrei diversos sites (Americanos, Ingleses, Franceses, Brasileiros, Argentinos, etc) onde a caracterização difere, aproximando-se umas vezes mais outra vezes menos, dos descritores referidos em cima. Em quase todos é referido o lado vegetal (ou herbáceo) e em alguns é mesmo referido o tal pimento (geralmente associado a condições de climas mais frescos).

Além disso, pesquisei os números antigos da RV e encontrei no nº185 (Abril 2005) um painel de prova dedicado à CS denominado “Cabernet Sauvignon, O fim de uma era?”. Poupo-vos o texto integral mas na caixa dedicada à história da casta vem descrito: “Dá-se especialmente bem com os climas quentes mas precisa de sol directo nos cachos para evitar que os aromas verdes do pimento se sobreponham à fruta ...”.

2. Tradução errada de “Green Peeper”?

Foi também sugerido que nas traduções o termo “Green Pepper” utilizado nos descritores da CS tem sido mal traduzido para pimento verde em vez de pimenta verde.

Muni-me da Wikipedia.org (versão inglesa) e pesquisei “Cabernet Sauvignon”. Encontrei o seguinte : “Cabernet Sauvignon has a well defined aroma. In Old World wines, particularly those made in Bordeaux, this is characterised by a smell of violets, blackcurrant, cedar and spice. New World wines of this grape can often share the aromas of their Old World counterparts, but are more often dominated by aromas of chocolate, ripe jammy berries, oak, pepper and earth. In Australia, there is often a strong smell of eucalyptus, particularly in wines made in Coonawarra. One of the most characteristic aromas of warm-climate examples is cassis (blackcurrant), while cherry and other red berry notes are not uncommon. Cooler-climate examples often reveal greener, herbaceous notes, such as eucalyptus or green pepper/capsicum. There is, however, a great deal of variation in flavor depending on the region, winemaking technique, seasonal weather, and bottle age. Nonetheless the wines retain a remarkable ability to be recognizably Cabernet.

Ora lá está a famigerada “Green Pepper”. Mas neste caso está “agarrada”ao termo Capsicum. Click no link. Descobri que se trata do Género de plantas da família das Solanaceae e que entre outras espécies, inclui os pimentos, malaguetas e chili (Capsicum annuum). Continuei confuso. Porquê ter o cuidado de referir especificamente o género da planta. Não satisfeito, procurei especificamente “Green Pepper”. Surpresa: o artigo que aparece é sobre um tal bell pepper, cuja fotografia não é mais do que o nosso pimento. Mau, isto continua cada vez mais estranho. Reparei na chamada de atenção: “For green peppercorns, see Black pepper.”. Click. Esta é a nossa pimenta preta em grão. Do género Piper da família Piperaceae, é utilizada também para produzir a pimenta branca e a pimenta verde (green pepper). Existe uma nota associado ao termo: “Green capsicum or bell pepper may also be called "green pepper"; it is an unrelated plant.” Pronto, descobri o problema! Os Ingleses na sua reconhecida objectividade e simplificação da língua utilizam os mesmo termo para designar coisas diferentes. Ou seja, é preciso verificar o contexto no qual se utiliza a palavra para descobrir o seu significado. Parece-me razoável acreditar que em frases em que “green peper” é utilizado como exemplo de notas verdes e herbáceas se está realmente a falar do nosso pimento verde. Quando referido no contexto de aromas a especiarias é mais do que provável a sua referência à pimenta verde.

Deixei a língua inglesa de lado e dediquei-me à francesa. Pimento é poivron e pimenta é poivre. Voltei ao Google, já que a versão francesa da Wikipedia não refere descritores para a casta CS. Pesquisei “Cabernet Sauvignon poivron”. Como é óbvio foram milhares as referências encontradas. Encontra-se facilmente descrições de provas de vinhos ou caracterizações da casta com referência ao tal “poivron vert”. Umas não são elogiosas, atribuíndo a causa à menor maturação e ao excesso de produção, mas existem descrições de prova de vinhos em que o termo “poivron” é positivo. Mesmo em sites de venda de vinhos de todo o mundo (mesmo os Grand Cru Classé) é fácil de encontrar elogios às notas de “poivron vert”em vinhos com CS.

3. Referências Portuguesas

Peguei em dois dos mais conhecidos críticos de guias de vinhos portugueses e procurei as suas descrições de provas de vinhos Cabernet Sauvigon estreme. Quase todos da Estremadura, Ribatejo e Setúbal (Bacalhôa). Não vou referir aqui os vinhos nos quais foram referidas notas vegetais ou verdes (são bastantes), mas apenas aqueles em que é referido a palavra pimento.

JPM (2007)

Qt. Poço do Lobo Reserva CS 2003; Qt. Alorna CS 2002; Vale de Fornos CS 2003; Qt. Pancas Special Selection CS 2003; Qt. Pancas CS 2004; Capucho CS 2001

JA (2006)

Caves Velhas CS 2001; Qt. Pancas CS 2003; Sanguinhal CS 2001; Bridão CS 2001; Fiúza CS 2001; Qt. Alorna CS 2002; Qt. Bacalhôa 2001

Se eles que são críticos reputados (relacionam-se com outros críticos internacionais, onde a linguagem descritiva dos vinhos é discutida e com certeza concertada) utilizam a expressão pimento para descrever a casta, quem sou eu para dizer que está errada a sua utilização ou que eles andam enganados por indevida tradução? Parece-me improvável.

Por tudo isto, concluí que, independentemente da causa, o pimento verde é realmente típico na descrição de provas associadas a vinhos de CS. Não fiquei com dúvidas.

Não seria coerente da minha parte “lutar” contras as verdades absolutas dos outros e por outro lado tentar impor a minha verdade. Quem acompanha este blog sabe que apelo frequentemente, nos posts e nos comentários que escrevo, para que não se deixem facilmente convencer por uma maior assertividade de opinião ou por verdades supostamente inquestionáveis. Mesmo este texto, muito convicto e cheio de referências, pode ser uma fachada, ser apenas parte da verdade, mostrar-vos apenas aquilo que dá mais jeito para reforço da minha conclusão. Peço-vos, por isso, que façam a vossa própria verdade. Investiguem, percorram o vosso caminho (não seguiam apenas as referências que eu dei em cima), reflictam e formem as vossas próprias conclusões.

Hoje em dia a Internet permite-nos cruzar afirmações, opiniões e conclusões sem estarmos dependentes de um único “guru”. Seja ele quem for.


P.S. Ah, e provem vinhos. Se não vos cheirar a pimentos é porque é “verdade”. O que os órgãos sensoriais não descobrem o cérebro não sabe!

2 comentário(s):

Paulo Coelho Vaz disse...

Quem já teve a oportunidade de cheirar alguns dos Grand Cru e Primiere Cru sabe bem o que é o aroma a pimento verde...
Bom trabalho e continuem!

rui disse...

Caro Paulo Vaz,

Seja bem vindo ao nosso blog. Infelizmente, nunca provei nenhum. Podia provar um só para dizer que já o fiz mas neste momento parece-me ser um capricho demasiado dispendioso. É verdade que a razão não ganha sempre ...

De qq forma, espero que as pessoas percebam que eu quis escrever para além do pimento verde. O pimento foi só uma desculpa para falar de algo maior: investiguem, experimentem, reflictam, concluam. E sempre que não concordarem comigo ou com alguém aqui do blog, discutam o tema connosco. Sempre com boa educação que nós agradecemos.

Um abraço,
RC

P.S. Obrigado pelo incentivo.

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