O Pimento da Discórdia
Começou por ser um comentário de resposta a um outro comentário efectuado no post anterior. Entretanto, o tamanho do texto já era de tal forma extenso que decidi efectuar um upgrade e torná-lo post por direito próprio.
Alguém me perguntou o que entendia por “vegetal”. Ao responder, referi, a título de exemplo, que uma das notas vegetais mais famosas é o pimento verde, geralmente, associado ao Cabernet Sauvignon (CS). Nunca afirmei, que o pimento verde era o único aroma vegetal, ou, que referir notas vegetais implica necessariamente que o vinho cheira a pimentos verdes.
Gerou-se, nos comentário posteriores, uma salutar discussão sobre a tipicidade desta associação aroma/casta (CS). Verdade ou falácia, eventuais causas, possíveis traduções erradas e utilizam abusiva do termo apenas em determinados países e por determinados críticos. Tudo isto foi “atirado para cima da mesa”. Fiz-me à pesquisa!
1. Carácter Varietal
Num dos comentários foi afirmado: “Os descritores aqui são: tânica, herbácea, especiarias (nalguns casos, e mais especificamente, pimenta verde), groselha.”. Assim que li isto, perguntei-me: “De onde foi retirada esta descrição? É oficial? Será que é uma verdade absoluta aceite por todos: Enólogos, Críticos e Consumidores?”. Não que eu tenha razões para desconfiar de quem escreveu esta afirmação, mas sou por natureza interrogativo. Pareceu-me que se pesquisasse, encontraria facilmente outros descritivos.
Muni-me do Google e pesquisei “Cabernet Sauvignon”. Encontrei diversos sites (Americanos, Ingleses, Franceses, Brasileiros, Argentinos, etc) onde a caracterização difere, aproximando-se umas vezes mais outra vezes menos, dos descritores referidos em cima. Em quase todos é referido o lado vegetal (ou herbáceo) e em alguns é mesmo referido o tal pimento (geralmente associado a condições de climas mais frescos).
Além disso, pesquisei os números antigos da RV e encontrei no nº185 (Abril 2005) um painel de prova dedicado à CS denominado “Cabernet Sauvignon, O fim de uma era?”. Poupo-vos o texto integral mas na caixa dedicada à história da casta vem descrito: “Dá-se especialmente bem com os climas quentes mas precisa de sol directo nos cachos para evitar que os aromas verdes do pimento se sobreponham à fruta ...”.
2. Tradução errada de “Green Peeper”?
Foi também sugerido que nas traduções o termo “Green Pepper” utilizado nos descritores da CS tem sido mal traduzido para pimento verde em vez de pimenta verde.
Muni-me da Wikipedia.org (versão inglesa) e pesquisei “Cabernet Sauvignon”. Encontrei o seguinte : “Cabernet Sauvignon has a well defined aroma. In Old World wines, particularly those made in
Ora lá está a famigerada “Green Pepper”. Mas neste caso está “agarrada”ao termo Capsicum. Click no link. Descobri que se trata do Género de plantas da família das Solanaceae e que entre outras espécies, inclui os pimentos, malaguetas e chili (Capsicum annuum). Continuei confuso. Porquê ter o cuidado de referir especificamente o género da planta. Não satisfeito, procurei especificamente “Green Pepper”. Surpresa: o artigo que aparece é sobre um tal bell pepper, cuja fotografia não é mais do que o nosso pimento. Mau, isto continua cada vez mais estranho. Reparei na chamada de atenção: “For green peppercorns, see Black pepper.”. Click. Esta é a nossa pimenta preta em grão. Do género Piper da família Piperaceae, é utilizada também para produzir a pimenta branca e a pimenta verde (green pepper). Existe uma nota associado ao termo: “Green capsicum or bell pepper may also be called "green pepper"; it is an unrelated plant.” Pronto, descobri o problema! Os Ingleses na sua reconhecida objectividade e simplificação da língua utilizam os mesmo termo para designar coisas diferentes. Ou seja, é preciso verificar o contexto no qual se utiliza a palavra para descobrir o seu significado. Parece-me razoável acreditar que em frases em que “green peper” é utilizado como exemplo de notas verdes e herbáceas se está realmente a falar do nosso pimento verde. Quando referido no contexto de aromas a especiarias é mais do que provável a sua referência à pimenta verde.
Deixei a língua inglesa de lado e dediquei-me à francesa. Pimento é poivron e pimenta é poivre. Voltei ao Google, já que a versão francesa da Wikipedia não refere descritores para a casta CS. Pesquisei “Cabernet Sauvignon poivron”. Como é óbvio foram milhares as referências encontradas. Encontra-se facilmente descrições de provas de vinhos ou caracterizações da casta com referência ao tal “poivron vert”. Umas não são elogiosas, atribuíndo a causa à menor maturação e ao excesso de produção, mas existem descrições de prova de vinhos em que o termo “poivron” é positivo. Mesmo em sites de venda de vinhos de todo o mundo (mesmo os Grand Cru Classé) é fácil de encontrar elogios às notas de “poivron vert”em vinhos com CS.
3. Referências Portuguesas
Peguei em dois dos mais conhecidos críticos de guias de vinhos portugueses e procurei as suas descrições de provas de vinhos Cabernet Sauvigon estreme. Quase todos da Estremadura, Ribatejo e Setúbal (Bacalhôa). Não vou referir aqui os vinhos nos quais foram referidas notas vegetais ou verdes (são bastantes), mas apenas aqueles em que é referido a palavra pimento.
JPM (2007)
Qt. Poço do Lobo Reserva CS 2003; Qt. Alorna CS 2002; Vale de Fornos CS 2003; Qt. Pancas Special Selection CS 2003; Qt. Pancas CS 2004; Capucho CS 2001
JA (2006)
Caves Velhas CS 2001; Qt. Pancas CS 2003; Sanguinhal CS 2001; Bridão CS 2001; Fiúza CS 2001; Qt. Alorna CS 2002; Qt. Bacalhôa 2001
Se eles que são críticos reputados (relacionam-se com outros críticos internacionais, onde a linguagem descritiva dos vinhos é discutida e com certeza concertada) utilizam a expressão pimento para descrever a casta, quem sou eu para dizer que está errada a sua utilização ou que eles andam enganados por indevida tradução? Parece-me improvável.
Por tudo isto, concluí que, independentemente da causa, o pimento verde é realmente típico na descrição de provas associadas a vinhos de CS. Não fiquei com dúvidas.
Não seria coerente da minha parte “lutar” contras as verdades absolutas dos outros e por outro lado tentar impor a minha verdade. Quem acompanha este blog sabe que apelo frequentemente, nos posts e nos comentários que escrevo, para que não se deixem facilmente convencer por uma maior assertividade de opinião ou por verdades supostamente inquestionáveis. Mesmo este texto, muito convicto e cheio de referências, pode ser uma fachada, ser apenas parte da verdade, mostrar-vos apenas aquilo que dá mais jeito para reforço da minha conclusão. Peço-vos, por isso, que façam a vossa própria verdade. Investiguem, percorram o vosso caminho (não seguiam apenas as referências que eu dei em cima), reflictam e formem as vossas próprias conclusões.
Hoje em dia a Internet permite-nos cruzar afirmações, opiniões e conclusões sem estarmos dependentes de um único “guru”. Seja ele quem for.
P.S. Ah, e provem vinhos. Se não vos cheirar a pimentos é porque é “verdade”. O que os órgãos sensoriais não descobrem o cérebro não sabe!
2 comentário(s):
Quem já teve a oportunidade de cheirar alguns dos Grand Cru e Primiere Cru sabe bem o que é o aroma a pimento verde...
Bom trabalho e continuem!
Caro Paulo Vaz,
Seja bem vindo ao nosso blog. Infelizmente, nunca provei nenhum. Podia provar um só para dizer que já o fiz mas neste momento parece-me ser um capricho demasiado dispendioso. É verdade que a razão não ganha sempre ...
De qq forma, espero que as pessoas percebam que eu quis escrever para além do pimento verde. O pimento foi só uma desculpa para falar de algo maior: investiguem, experimentem, reflictam, concluam. E sempre que não concordarem comigo ou com alguém aqui do blog, discutam o tema connosco. Sempre com boa educação que nós agradecemos.
Um abraço,
RC
P.S. Obrigado pelo incentivo.
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