Um Jantar Original
Há dias assim. Vou a caminho do barbeiro para dar um toque da gandufa quando toca o telemóvel. Uma chamada de Cristo: “Tenho um amigo que faz anos e está a organizar um jantar para hoje. Não vai faltar vinho e só pagamos a comida, queres vir?” Ora, como não sou homem para recusar um convite para comer e beber,”tudo bem”.
O facto de não produzir uma marca própria não o impede de tentar divulgar as marcas dos amigos e conterrâneos. Assim, há já alguns anos que no jantar de aniversário reúne um conjunto largo de vinhos de diferentes produtores da região. Uns oferecidos pelos produtores, outros comprados por ele e os restantes levados pelos convidados (a malta não gosta de chegar de mãos a abanar). Nesse dia, fechou o restaurante Alfândega, em Alcântara, e encheu o mesmo com mais de 60 amigos e amigas.
Mas um dos aspectos mais interessantes destes jantares é uma brincadeira, como faz questão de sublinhar, que o Mário propõe. A cada um dos convivas é entregue uma folha com um quadro de pontuação dos vinhos em prova. Nesta edição, os vinhos em prova não continham brancos e pretendiam ser diversificados do ponto de vista do preço e da pretensão qualitativa. A escala adoptada, à qual tive que me habituar, foi a conhecida 10-20 valores. A todos os níveis, uma forma original e, acima de tudo, motivadora de convencer os amigos a beber Douro.
Apesar de não gostar de provar muitos vinhos no mesmo jantar, tomei em mãos a responsabilidade de fazer o meu melhor e não defraudar as expectativas (o Mário é leitor do blog). Saquei do meu bloco de notas, coloquei o ar mais profissional possível e tentei fazer critica séria :). Nem todos vinhos que provei faziam parte da lista oficial dos vinhos em prova (contavam para as estatísticas feitas pelo Mário e tudo), pelo que o outsider está marcado com asterisco.
Segue as minhas notas de prova pela ordem que foram servidos a acompanhar os vários petiscos. Uma nota importante: os tintos estavam ligeiramente quentes e apenas nos Portos conseguimos intervir de modo a refrescá-los a tempo da sobremesa.
Qt. Baldias 2004
Aroma pouco exuberante com equilíbrio entre a fruta e a barrica. Boca média, ligeiramente frutado com taninos ainda presente e secura da madeira. Final ardente a especiarias e álcool. Um vinho que demonstra uma estrutura com potencial (devido às vinhas velhas) mas que precisa de afinação. Rolhas 3
Qt. Monte Travesso Reserva 2005
Aroma marcado pela baunilha. Boca morna com fruta madura. Final ligeiramente agressivo e pouco domado (travesso, portanto). Precisa de mais tempo para integrar a barrica. Rolha 3
Meandro do Vale Meão 2005
Ligeiro mofo a sugerir problemas de “rolha”. Nas duas garrafa em prova. Estranho, já que hà cerca de um mês e pouco bebi uma sem qualquer tipo de problemas. Rolhas N/A
Qt. de La Rosa 2006
Aroma a frutos vermelhos com toque de madeira e alguns balsâmicos. Boca frutada, macia, fácil de beber. Apresenta um final doce que pode afastar alguns e por isso deve-se beber um pouco mais fresco. Um vinho de fácil agrado e que se bebia ainda melhor se tive um grau alcoólico mais baixo. Rolhas 3
Perfil 2005
Bem casada a madeira com a fruta. Alguma esteva. A boca apresenta um ligeiro rendilhar (a fazer lembrar certo vinhos de Baga ou problemas no engarrafamento). Deixar decantar. Depois, aparece-nos correcto mas sem entusiasmar. Rolhas 3
Qt. Infantado 2005
Aroma fresco com toque vegetal muito agradável. A boca é também ela fresca com boa acidez e muito bom beber. Muito agradável e nada cansativo. É mesmo destes que eu gosto de beber “à vontade”, até porque o grau alcoólico contido ajuda. Excelente preço para quem conseguir encontrar (cerca de 5€). Rolhas 4
Qt. Vallado Touriga Nacional 2005
Aroma com ligeira madeira e toque floral da Touriga. Na boca predomina a fruta madura apoiada numa razoável acidez que não faz cansar a prova mas que ainda assim acho que devia ser mais elevada para tornar o vinho mais espevitado e menos pastelão. Provavelmente foi aqui prejudicado pela temperatura de serviço menos correcta. Não era preciso olhar para o rótulo para perceber que este era o vinho até aí provado com maior arcaboiço e por conseguinte com maiores pretensões. Rolhas 4
Odisseia Reserva 2005
Aroma com ligeiros tostados mas ainda algo fechado. A boca apresenta fruta madura com ligeiro doce alcoólico no final. Taninos algo rijos. Percebe-se que este vinho também tem estrutura e pretensões a outros voos. Falta-lhe um pouco de finesse, talvez. Rolhas 3,5
* Talentus 2005
Aroma pouco exuberante com a madeira ainda a dominar a fruta. A boca apresenta um vinho onde a fruta madura predomina. Final ligeiramente químico. Falta-lhe alguma definição para escalar para o patamar seguinte. Este foi o vinho que nós levamos. Duas garrafas. Para galo, a primeira garrafa tinha problemas fortes de “rolha” ou de outra contaminação qualquer. Nem à distância de um palmo do copo se podia estar. A segunda garrafa estava boa. Rolha 3,5
Churchill’s Estate 2005
Aroma fresco e equilibrado. Boca frutada com boa acidez num conjunto sem grandes pretensões e de fácil prova. Outro vinho agradável de beber. Rolhas 3,5
Qt. Baldias Vintage 2003
Alguma erva-doce e giesta. Toque doce a chocolate. A boca é média, doce a chocolate preto. Final ardente e alcoólico. Servir um pouco mais fresco do que o habitual. Rolhas 3
Taylor’s LBV 2002
Aroma doce já com algum fico seco e bem maduro. A boca segue adocicada a figo e final curto a álcool. Servir bem fresco ou com gelo(!). Rolhas 2
Qt. Vale Meão Vintage 2004
Aroma fechado com ligeira percepção alcoólica. Na boca, o álcool toma conta da prova tapando a fruta. Por agora está muito difícil de mostra algo. Algo desapontante. Rolhas 2
Warre’s Qt. Cavadinha Vintage 1995
Cor bem nos vermelhos fortes sem mostrar sinais de declínio. Aroma doce a passas e figo. Na boca mistura de frutos vermelhos com frutos seco. Final doce, agradável e prolongado. Está porreiro, pá! Rolhas 3,5
Taylor’s Qt. Vargellas Vintage 2004
Aroma fechado com matizes balsâmicas e alguma erva-doce. Na boca é a erva-doce que predomina. Final a deixar algumas especiarias. Dá uma prova mais fácil do que apontava o nariz. Rolhas 3,5
Como referi anteriormente, o Mário dá-se ao trabalho de fazer estatísticas (também deve ser “engenheiro”, como eu) sobre os vinhos provados. Estatísticas que muitas vezes dão-nos apontamentos interessantes pois reflectem a opinião de um conjunto alargado de consumidores com diversas experiências enófilas, diferentes gostos, diferentes níveis de conhecimento de vinhos e marcas. Ora, isto é óptimo porque a maioria não estava “contaminada” com os normais preconceitos relativos a determinadas marcas, anos de colheita e designações especiais de rótulos. Enfim, era um grupo mais puro na sua inocência e são resultados que reflectem honestamente o prazer de beber. Aos “impuros”, o VinhoaCopo emprestou 3: eu, o Cristo e o Nuno.:)
Estatísticas da Prova
Resultados Globais
QUINTA DO VALLADO Touriga Nacional 2005 - 16,87 (27 notas de prova)
CHURCHILL'S 2005 - 16,09 (11 notas de prova)
POST SCRIPTUM de CHRYSEIA - 16,00 (8 notas de prova)
QUINTA DO INFANTADO 2005 - 15,66 (9 notas de prova)
MEANDRO do Vale Meão 2005 - 14,22 (29 notas de prova)
QUINTA DE LA ROSA 2006 - 14,21 (31 notas de prova)
QUINTA DE BALDIAS 2004 - 14,07 (34 notas de prova)
QUINTA DO MONTE TRAVESSO Reserva 2005 - 13,96 (34 notas de prova)
ODISSEIA Reserva 2005 - 13,71 (7 notas de prova)
PERFIL 2005 - 13,55 (20 notas de prova)
As 5 Notas + de prova femininas (8/9 consistentes provadoras):
QUINTA DO VALLADO Touriga Nacional 2005 - 17,08
QUINTA DO INFANTADO 2005 - 15,5
QUINTA DE LA ROSA 2006 - 15,31
MEANDRO DO VALE MEÃO 2005 - 14,83
QUINTA DE BALDIAS 2004 - 14,17
QUINTA DO MONTE TRAVESSO Reserva 2005 - 14,17
As 5 Notas + de prova masculinas (20/21 consistentes provadores):
QUINTA DO VALLADO Touriga Nacional 2005 - 16,84
POST SCRIPTUM de CHRYSEIA 2005 - 16,5
CHURCHILL'S 2005 - 16,25
QUINTA DO INFANTADO 2005 - 16,0
ODISSEIA Reserva 2004 - 14,4
Eu tive acesso a todas as notas e rapidamente vos digo:
- Realmente o Qt. Vallado TN teve quase sempre as melhores notas. Não teve uma média mais alta porque houve dois provadores que lhe deram uma nota baixa (ou seja, não foi consensual).
- O Meandro do Vale Meão teve altos e baixos. Acho que os baixos foi de quem se apercebeu de que as garrafas não estavam em condições.
- O Churchill’s e o Post Scriptum acabam por ficar em segundo e terceiro porque não tendo muito provadores, foram todos consistentes. Pouco amplitude nas notas atribuídas.
- Os primeiros vinhos da noite tem mais provadores, o que se reflecte nas médias mais baixas. Por outro lado, era esperado pois a prova decorreu em teórico crescendo qualitativo.
- O Odisseia não agradou nada ao público feminino. Levou a ripada :)
- O Perfil e o Qt. de La Rosa foram os vinhos menos apreciados pelo lado masculino. O Qt. de La Rosa ainda teve uma ou outra nota bem alta mas a maioria trouxe-o para baixo. O Perfil nunca saiu lá debaixo.
- O Qt. Infantado, não fossem 2 notas mais fracas, e podia ter levado o caneco. As restantes estiveram no 16 e acima.
- Nos Portos apenas houve consistência de prova para 3/4 provadores (imaginem quem) pelo que não vale a pena apresentar estatísticas.
Resumido, uma noite bem passada. Uma forma original de passar um aniversário. Aplauso prolongado para a perseverança e carolice demonstrada. É o tipo de coisas que só resulta porque é feito com paixão. Obrigado Mário pelo convite. A malta que representou o VinhoaCopo gostou imenso. Desejamos-te muitos mais aniversários destes. Com boa pinga e bons amigos.
p.s.(1) Estranhei tantos vinhos com problemas. Não me tem acontecido muito.
p.s. (2) Ainda havia mais vinhos mas não deu para ir a todos. Aguenta fígado que no outro dia descansas. :)
8 comentário(s):
Tratam-se bem vocês :)
Belo texto, gostei da estatística e da separação de homens e mulheres.
abraço
Caro Pratas,
as estatisticas não são da minha responsabilidade. Foram-me enviadas pelo Mário. Como sou curioso destas coisas, ele depois acabou por me enviar a grelha com todas as notas para eu poder tirar mais umas quantas conclusões.
Um abraço,
RC
p.s. estivemos à hora certa a receber o telefonema certo. Nada mais.:)
É notável a boa forma em que os vinhos do Douro se mostraram... até conseguiram ter aquele enigmático aroma a bafio, deve ser da humidade do rio.
Pelo que percebi, com notas maioritariamente entre a 3 e as 4 rolhas, não houve assim um vinho que te encantasse verdadeiramente. Ou percebi mal?
Caro Kroniketas,
sim, pode-se dizer que os 4 são um entusiasmo contido. Apesar de deixar claro que o Qt. Infantado ao preço que está (se algum encontrar) é um grande achado. Numa análise autocrítica, diria que só fico verdadeiramente encantado (tipo, adolescente a quem lhe apareceu a Jessica Alba à porta)a partir do 4,5.
Por exemplo, o Cristo e o Nuno ficaram encantados com o Qt. Vallado TN.
Um abraço.
RC
p.s. Confesso que não sei quais são as miúdas que estão a bombar no imaginário dos adolescente de hoje. Mas se fosse adolescente, a Jessica Alba era uma forte candidata :)
Caro Rui,
Fico muito contente por terem gostado do conceito!!
Acabou por ser um jantar com um grupo de enófilos divertido e despreocupado em que mais de metade se esforçou para escrever numa folha de papel qual é que gostava mais.
Correu tudo mto bem à parte do (grande) pormenor da temperatura de alguns vinhos. É um grave defeito que tenho.. pensar que posso controlar tudo sózinho :)
Já estou a pensar numa prova de alentejanos. Dão e Estremadura tb me agradam ( perdoem-me a descortesia face às restantes regiões portuguesas ).
Obg por toda a vossa ajuda!
Um abraço do Douro,
MF
Realmente convites destes não surgem todos os dias. Ou melhor, todos os meses. Ou ainda melhor, todos os anos... o Senhor Mario é amigo!!! Não faltes aos Alentejanos.
Abraço.
Caro Mário,
sou um grande fã de quem tem boas ideias e, tenho o maior respeito, por quem as põe em prática (eu, infelizmente, ponho muito pouco em prática as minhas ideias).
Um forte aplauso pela carolice.
Um abraço,
RC
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